sábado, 18 de abril de 2009

Na mesinha de cabeceira



Naquela manha brumosa em que Inês, com apenas dez anos, contempla os contornos do castelo de Peñafiel, ao lado da ama que a acompanhará até ao último dos seus dias, contempla também, sem o saber, o cenario onde terá inicio o rimeiro acto de uma tragédia que ficará para a história como uma das mais belas histórias de amor de sempre, inalterada no seu imenso fascínio.
A ama, inocente no seu peso trágico, pronuncia as palavras que o destino se encarregará de cumprir - "um príncipe amar-te-á pelo teu coo de graça e pelos teus cabelos louros e as tuas fontes virão a ser cingidas por uma coroa real".
Em Peñafiel Inês e Constança torna-se-ão irmãs de alma, unidas por uma mesma fortuna. E se um dia mais tarde o príncipe português virá a respeitar Constança, já sua mulher, pela sensatez e serenidade do seu carácter, amará perdidamente Inês pelo fogo arrebatador do seu temperamento - "Inês era a força da cascata, o rumor o mar enraivecido, o roçar do vento quando o cavalo se lança a galope".
A mesma dor culposa dilacera os espíritos dos dois amantes, incapazes de resistir ao ímpeto amoroso que os consome e lhes dá a razão de viver, agastados pelo estatuto de traidores a que esse mesmo sentimento os condena e que tem por vítimas não apenas Constança, mas aqueles três seres que a sorte caprichosa e insensata havia de juntar por caminhos tão tortuosos.
A morte de Constança afasta momentaneamente os amantes, mas será então que Pedro e Inês irão viver, no esplendor do idílico da Quinta das Lágrimas, as horas mais felizes do seu infortunado amor "naquele engano de alma, ledo e cego / que a Fortuna não deixa durar muito".
Mas o destino inflama já nos corações de alguns nobres da corte portuguesa as facas da ambição, as mesmas lâminas sacrílegas que haverão de manchar de sangue o esbelto pescoço de Inês e de remorso a consciência de D. Afonso IV.

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